Artigos e capítulos by João Ferreira
Neoliberalismo, trabalho e precariedade subjetiva, 2022
O capitalismo tornou-se uma máquina maior do que o mundo. Chegamos ao ponto em que é “mais fácil ... more O capitalismo tornou-se uma máquina maior do que o mundo. Chegamos ao ponto em que é “mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo” (Jameson, 2003, p. 76). Nos últimos 40 anos, o capitalismo neoliberal corroeu ainda mais os limites à expropriação da vida e dos recursos do planeta. Domínio que alcançou dimensão soberana e sistêmica e o transformou na arma de destruição mais perigosa do mundo – o que impõe reconfigurar o modo de nomeá-lo: necroliberalismo (Mbembe, 2020a, sp) . A gravidade e a urgência desse estado acentuado de precarização da vida impõem também a obrigação ético-política enfatizada por Judith Butler (2016): em que condições se torna possível ou impossível constituir a vida digna, plural, coletiva? Nesta linha, discutir os sintomas sociais dos dispositivos neoliberais – como a precarização subjetiva e da vida no trabalho – é uma obrigação ética prioritária para as resistências ao tempo brutalista que nos foi dado viver. No mundo do trabalho no contexto neoliberal, tal precarização se expressa de modo cada vez mais acentuado e globalizado nas situações de sofrimento, violência, adoecimento e morte que atingem grandes contingentes de trabalhadoras/es – com e sem trabalho. A precarização subjetiva e da vida é uma das mais graves consequências da máquina do mundo neoliberal. Torna as vidas desprotegidas do amparo muito frágil das leis, da justiça - e até mesmo do luto (Butler, 2016; Agamben, 2004). Vidas que não são reconhecidas como vidas. Neste ensaio realizamos uma crítica ao neoliberalismo, do ponto de vista das capturas e resistências à precarização subjetiva e da vida no trabalho. Analisamos algumas linhas deste vasto campo problemático com base na psicologia das formas de vida, abordagem que se vale de operadores conceituais e empíricos para discutir as capturas e ameaças à vida, em tensionamento com as potências, resistências, movimentos e criações mobilizadas contra tais adversidades, aqui abordadas no âmbito dos modos de existência relacionados ao trabalho.
Psicologia, Saúde Mental e Trabalho na Pandemia, 2022
A pandemia da COVID-19 acentuou as crises estruturais e as imposições do capitalismo neoliberal, ... more A pandemia da COVID-19 acentuou as crises estruturais e as imposições do capitalismo neoliberal, produtor de formas de organização social e do trabalho que representam graves riscos e danos à vida, a ponto de amplificar as mortes de trabalhadores nas atividades mais precarizadas e em situação de maior vulnerabilidade social. Sendo parte de uma pesquisa em andamento sobre contextos de produção das situações de saúde e adoecimento relacionadas ao trabalho, neste ensaio discuto algumas relações entre neoliberalismo como patologia social, situações de adoecimento e formas de vida e morte no trabalho. Tais relações são abordadas com base na cartografia das formas de vida, método crítico e clínico que, nesta análise, se vale de operadores conceituais relacionados aos tensionamentos entre modos de apropriação e de expropriação dos direitos de existência e também da capacidade de sentir, pensar e agir de modo ético-político nos contextos e situações de trabalho neoliberais. Ao longo do ensaio, procuro situar: os operadores conceituais e metodológicos da cartografia das formas de vida que orientaram este percurso; as noções de saúde e adoecimento como questões de interesse fundamental para referenciar o valor vital do direito à existência digna, ao qual todo o ordenamento social e do trabalho devem se reportar; os aspectos críticos do contexto e a caracterização do neoliberalismo como patologia social; a exacerbação necropolítica do neoliberalismo, evidenciada com a crise da pandemia. Em seguida, aponto o necroliberalismo proposto por Achille Mbembe como patologia social de primeira ordem.
Subjectivité et travail: entre mal-être et bien-être / Subjetividad y trabajo: entre el mal-estar y el bien-estar / Subjetividade e trabalho: entre mal-estar e bem-estar; (Orgs): Hernández, J. J. R., Lhuilier, D. Araújo, J. N. G., Pujol, A. Paris: Éditions L'Harmattan., 2020
Este capítulo tem por objetivo discutir alguns dispositivos de capturas, processos de resistência... more Este capítulo tem por objetivo discutir alguns dispositivos de capturas, processos de resistências e potências das formas de vida no mundo do trabalho neoliberal. Neste senti-do, com base no método da cartografia das formas de vida, foram mapeados aspectos paradigmáticos das situações de trabalho de cinco estudos teórico-práticos realizados com trabalhadores terceirizados, eletricistas, professores e psicólogos. As resistências e potências dos trabalhadores problematizam a legitimidade dos dispositivos de capturas, produzem modos alternativos de sentir, pensar e agir, e criam novos usos do direito às formas de vida ética e politicamente referenciadas.
ABATIRÁ - REVISTA DE CIÊNCIAS HUMANAS E LINGUAGENS, 2023
Como produzir rachaduras no modelo binário de gênero e nos modelos de representação existentes? C... more Como produzir rachaduras no modelo binário de gênero e nos modelos de representação existentes? Como
perceber e intensificar os movimentos desejantes? Como nos encontramos com as diferenças? Este artigo tem
por objetivo analisar e refletir sobre o dispositivo grupal como ferramenta de produção de narrativas dissidentes
de gênero e de afirmação da vida. Trata-se de uma pesquisa-intervenção estruturada na epistemologia
esquizoanalítica e no método cartográfico, acompanhando os processos de destruição e formação de territórios a
partir dos encontros do Grupo Dissonâncias. Essa concepção de pesquisa fornece os aportes teóricos para
analisarmos o grupo como catalisador de processos de rachadura das formas rígidas de ser, pensar e agir e a
noção de não-binaridade de gênero como desobediência ao real social. Para além de autores e autoras da
esquizoanálise, levantamos alguns saberes decoloniais de Jota Mombaça (2021) e abigail Leal (2021). Tomando
o dispositivo grupal como ponto de partida buscamos intensificar as transversalidades e a criação de
multiplicidades a partir de experimentações, incitar movimentos de fragmentação das normas de gênero e de
expressão de modos de existência inconformes ao possibilitar o entrelaçamento de experiências. Os encontros
realizados no Grupo Dissonâncias apresentaram-se como produção de desvio e de novos territórios existenciais
com possibilidade de experimentações criadoras de multiplicidades e afirmadoras de vidas mais dignas.
Revista Psicologia para America Latina, 2021
Este ensaio discute criticamente articulações entre raça, trabalho e psicologia à luz da pandemia... more Este ensaio discute criticamente articulações entre raça, trabalho e psicologia à luz da pandemia pela COVID-19. A discussão foi referenciada na revisão narrativa de literatura e pela crítica ao colonialismo. A pandemia evidenciou a gravidade das condições sócio-históricas de desigualdades, manutenção das assimetrias e privilégios raciais do Brasil, intensificando efeitos nocivos à saúde da população negra no contexto trabalhista. O ensaio se encaixa na proposta de uma psicologia ético-política e antirracista, endossando elaborações de políticas públicas de assistência em saúde no trabalho, durante e no período pós-pandemia. Palavras-chave: Covid-19; pandemia; racismo; saúde do trabalhador, psicologia.
Educação em foco, 2022
Este ensaio traz reflexões relativas aos processos formativos no contexto acadêmico a partir de e... more Este ensaio traz reflexões relativas aos processos formativos no contexto acadêmico a partir de efeitos de três experiências que produzimos no entremeio dos tempos pandêmicos. Experiências-pensamentos que no cenário da sala de aula e na relação de orientação de uma tese nos atravessaram e nos convocaram no sentido de responder à questão que nos tem rondado: como tornar mais real uma existência? Registramos aqui os inesperados e as múltiplas invenções; identificamos gestos-mínimos e vitais; e experimentamos a condição de "intercessor" (as). Desdobramos o pensar sobre o que pensamos (entendendo o pensamento como ato de criação) e reiteramos a necessidade de promovermos a co presença das diferenças, a leitura dos processos formativos como afirmação do direito aos modos singulares e plurais de existência...
Revista Latinoamericana de Estudios del Trabajo (RELET) , 2023
Este ensaio analisa criticamente as relações entre neoliberalismo e produção de subjetividade, co... more Este ensaio analisa criticamente as relações entre neoliberalismo e produção de subjetividade, considerando suas dimensões sócio-históricas e desafios ético-políticos. Discutem-se as articulações entre capitalismo neoliberal, subjetividade, democracia e processos de despolitização coletiva, na intenção de promover uma crítica da razão dogmática do neoliberalismo. Toma-se tal esforço crítico como imperativo ético-político articulado aos movimentos de luta pela saúde e afirmação de modos de vida e trabalho dignos, particularmente na realidade brutal do cenário pandêmico brasileiro.
https://doi.org/10.1590/interface.220115, 2022
Este artigo discute a possibilidade de uma poética de cuidado e atenção às formas de vida em uma ... more Este artigo discute a possibilidade de uma poética de cuidado e atenção às formas de vida em uma instituição de longa permanência para idosos. O texto ancora-se em uma etnografia que ocorreu em um abrigo para idosos, realizada por meio de observação participante, entrevistas e acompanhamento da vida cotidiana. Durante o trabalho de campo, uma das atividades centrais era um Círculo de Leitura promovido pela instituição. Ao acompanhar essas atividades, a literatura provocava os afetos e memórias dos participantes e constituiu uma forma de cuidado e produção de saúde. Nesse contexto, ler e rememorar também era produzir saúde. Procurando analisar as vivências no Círculo de Leitura, o texto indaga o que pode a literatura e quais experiências provocam. A busca é por entender como a literatura afeta os idosos.
Trabalho, precarização e resistências, 2021
Este capítulo tem como objetivo apresentar e discutir experiências de clínicas do trabalho e da a... more Este capítulo tem como objetivo apresentar e discutir experiências de clínicas do trabalho e da ação realizada no estado do Rio de Janeiro, utilizando como ponto de partida e eixo de discussões a questão “como escutar clinicamente as situações de trabalho?”. As experiências aqui apresentadas se referem às práticas realizadas em atividades de pesquisa, extensão e práticas supervisionadas de estágios curriculares dos cursos de graduação em Psicologia da UFF-Rio das Ostras; UFF-Campos, UFRJ e graduação e pós-graduação da UFRJ.
Psicopolítica e psicopatologia do trabalho, 2020
A pandemia da COVID-19 acentuou as crises estruturais e as imposições do capitalismo neoliberal, ... more A pandemia da COVID-19 acentuou as crises estruturais e as imposições do capitalismo neoliberal, produtor de formas de organização social e do trabalho que representam graves riscos e danos à vida, a ponto
de amplificar as mortes de trabalhadores nas atividades mais precarizadas e em situação de maior vulnerabilidade social. Sendo parte de uma pesquisa em andamento sobre contextos de produção das situações de
saúde e adoecimento relacionadas ao trabalho, neste ensaio discuto algumas relações entre neoliberalismo como patologia social, situações de adoecimento e formas de vida e morte no trabalho. Tais relações são
abordadas com base na cartografia das formas de vida, método crítico e clínico que, nesta análise, se vale de operadores conceituais relacionados aos tensionamentos entre modos de apropriação e de expropriação dos
direitos de existência e também da capacidade de sentir, pensar e agir de modo ético-político nos contextos e situações de trabalho neoliberais. Ao longo do ensaio, procuro situar: os operadores conceituais e
metodológicos da cartografia das formas de vida que orientaram este percurso; as noções de saúde e adoecimento como questões de interesse
fundamental para referenciar o valor vital do direito à existência digna, ao qual todo o ordenamento social e do trabalho devem se reportar; os aspectos críticos do contexto e a caracterização do neoliberalismo como
patologia social; a exacerbação necropolítica do neoliberalismo, evidenciada com a crise da pandemia. Em seguida, aponto o necroliberalismo proposto por Achille Mbembe como patologia social de primeira ordem.
Anais do VI Congresso Brasileiro de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho e do VII Simpósio Brasileiro de Psicodinâmica do Trabalho ± UFMA., 2020
Apresentação e discussão de experiências de clínica do trabalho realizadas no estado do Rio de Ja... more Apresentação e discussão de experiências de clínica do trabalho realizadas no estado do Rio de Janeiro, utilizando como ponto de partida e eixo de discussões a questão "como escutar clinicamente as situações de trabalho?" As experiências apresentadas se referem às práticas realizadas em atividades de pesquisa, extensão e práticas supervisionadas de estágios curriculares do curso de graduação em psicologia (UFF-Rio das Ostras; UFF ± Campos, UFRJ) e graduação e pós-graduação (UFRJ). Os quatro autores relatam práticas em clínica do trabalho, partindo de diferentes referenciais teóricos em diálogo com a psicodinâmica do trabalho. Os estudos revelam a importância no fazer do clínico do trabalho, buscando a articulação entre clínica e política em diálogo constante com diferentes disciplinas, na construção de uma escuta sensível e qualificada, como forma de ação de resistência éticopolítica. A inserção de ações em clínica do trabalho em atividades de ensino, pesquisa e extensão na graduação e pós-graduação, destacam a importância de alavancar na academia uma formação crítica e reflexiva para ações ético-políticas, conectadas com a realidade e com o contexto contemporâneo do trabalho, a fim de construir continuamente argumentos para intervenções participativas pautadas na confiança e de promoção de saúde do trabalhador.
Trabalho que adoece: resistências teóricas e práticas, 2019
O texto apresenta e discute experiências de clínica do trabalho e da ação realizadas no Rio d... more O texto apresenta e discute experiências de clínica do trabalho e da ação realizadas no Rio de Janeiro, utilizando como ponto de partida e eixo de discussões a questão “como escutar clinicamente as situações de trabalho?”. Transita por conceitos, dispositivos metodológicos e de intervenção que têm orientado e vêm sendo construídos nas práticas das autoras e autor deste artigo. As experiências se referem às práticas em atividades de pesquisa, extensão e práticas supervisionadas de estágios curriculares do curso de graduação em Psicologia (UFF – Rio das Ostras; UFF – Campos, UFRJ) e graduação e pós-graduação (UFRJ), sob coordenação e supervisão dos autores.
Encuentros en Abril. Psicología y Subjetividad. Diálogos en investigación y Extensión, 2018
A pergunta mais geral que orienta estes percursos é: como constituir formas de vida ética e polit... more A pergunta mais geral que orienta estes percursos é: como constituir formas de vida ética e politicamente qualificadas, que denominamos vida viva? No contexto dominado pelo capitalismo patrimonialista-financeiro no qual nos inserimos, esta questão complexa é pensa-da a partir de duas grandes vertentes: de um lado, os movimentos que buscam afirmar o direito fundamental à vida digna (e todos os outros direitos que dele decorrem); de outro, os aparatos de dominação, captura e exploração da vida.
ECOS | Estudos Contemporâneos da Subjetividade | Ano 7 | Volume 2, 2017
Este ensaio discute o ato de criação literária como paradigma dos processos de subjetivação ... more Este ensaio discute o ato de criação literária como paradigma dos processos de subjetivação que possibilitam a produção de formas-de-vida. Com base em Deleuze e Agamben, principalmente, o ato de criação literária possibilita pensar as lógicas de outras formas de produção de resistências, movimentos aberrantes e rupturas dos dispositivos de captura e dominação; e também as ações constituintes das formas-de-vida ética e politicamente referenciadas. Neste percurso, propõe-se uma poética das formas-de-vida, entendida como processo, trabalho vivo de potência, micropolítica ativa e passagem de vida.
Abstract
This essay discusses the act of literary creation as a paradigm of the processes of subjectivation that enable the production of life-forms. Based mainly on Deleuze and Agamben, the act of literary creation makes it possible to think about the logics of other forms of resistance production, aberrant movements and ruptures of the devices of capture and domination; and also the actions constituting ethical and politically referenced forms of life. In this sense, we propose a poetics of forms-of-life, understood as process, living power work, active micropolitics and life passage.
O artigo tem como objetivo refletir sobre algumas relações entre criação literária, trabalho vivo... more O artigo tem como objetivo refletir sobre algumas relações entre criação literária, trabalho vivo e processos de subjetivação. O trabalho vivo é caracterizado
como processo de criação que implica o poder de sentir, pensar e inventar. A criação literária é analisada como referência crítica às instituições das formas
alienadas de viver. São propostos os conceitos de trabalho morto, subjetivação alienada, ética viva e poética da subjetivação. Com base nestas proposições, busca-se analisar a poética da subjetivação como ação que produz e é produzida pelo trabalho vivo, e também suas ressonâncias ético-políticas nos processos de construção das formas politicamente qualificadas de viver
Trabajo, actividad y subjetividad Debates abiertos - Andrea Pujol e Constanza Dall'Asta Costa (compl, 2013
As experiências de criação literária são permanentes convites à constituição de modos de existênc... more As experiências de criação literária são permanentes convites à constituição de modos de existência atravessados por múltiplos universos de sentidos. Formas de criação que se incorporaram às dimensões imaginárias e simbólicas coletivas para além do seu tempo. Assim como os Signos em rotação de Octávio Paz (1996) ou as constelações de Walter Benjamin (1994), tais territórios – compostos por palavras, frases, expressões, versos, fragmentos de textos – capturam nossos afetos e pensamentos. Como planetas na órbita de uma estrela, esses fragmentos circulam nesse espaço-campo que nunca está inteiramente ao nosso alcance, instigam o contato dimensões da existência, despertam o fascínio da não significação, o sentimento aterrador da significação indizível, como apontou Octávio Paz. A palavra que habita o texto literário também pode dar vida à proposição do silêncio é impossível, de Blanchot (1980). Perspectiva que aponta para a criação como experiência da alteridade. Movimento que procura desvanecer a escuridão, erguer palavras-letras contra o silêncio e, no limite, contra o resto no silêncio para o qual, inexoravelmente, nos dirigimos. Com a frase final de Hamlet – o resto é silêncio -, Shakespeare sublinhou a impossibilidade da palavra como marca do nosso pertencimento inescapável à comunidade dos mortais. Ao aproximamos o silêncio é impossível (como metáfora do poder constituinte do trabalho vivo de constituição do sujeito pela palavra) de o resto é silêncio (como figura do poder constituído, como dimensão do prescrito), delimitamos uma interseção de territórios do impossível. Nesta região paradoxal, a impossibilidade do silêncio está em contínua tensão com a impossibilidade do falar. Trabalho constitutivo pela via da palavra que simbolicamente também identifica- mos nas narrativas de As mil e uma noites. Sherazade faz o percurso do trabalho com a palavra no qual o silêncio impossível se contrapõe – noite após noite – à obscura face do silêncio irreversível da morte. O fazer literário como trabalho de criação com a palavra e da palavra capaz de ultrapassar a morte. O trabalho com a palavra e da palavra como imperativo de uma momentânea salvação. O silêncio impossível equilibra a existência sobre a tênue superfície da sombra e do abismo, sobre a frágil linha de um tempo paradoxalmente infinito e breve. Escrever para não morrer, como diz Blanchot, ou talvez mesmo “falar para não morrer é uma tarefa tão antiga quanto a fala” (Foucault, 2000).
Trabalho que adoece: resistências teóricas e práticas, 2019
As ações para dar visibilidade e possibilidades de intervenção e transformação dessas situações d... more As ações para dar visibilidade e possibilidades de intervenção e transformação dessas situações demandam atuação simultânea e integrada em várias frentes (Leclerc, 2005; Dejours, 2012; Ferreira, 2009), considerando, entre outros aspectos: a) a interdependência complexa das dimensões individuais, interpessoais, grupais, organizacionais e sociais; b) os campos de forças, interesses e relações de poder formal e informal; c) as incidências e causas para além das situações individuais; d) a articulação de áreas, processos e informações (clima organizacional, motivos dos afastamentos, inquéritos administrativos, ouvidoria, pesquisas com grupos, clínicas do trabalho, entrevistas de desligamento); e) abordagens específicas para cada caso; f) ações articuladas de curto, médio e longo prazo; g) a demora no encaminhamento de ações de intervenção pode produzir sérios e amplos contágios nas relações de trabalho; h) construir espaços de fala e de discussão, que são fundamentais para a compreensão dos fatores que produzem o não dizer, o efeito paralisante do medo.
QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO: estudos e metodologias brasileiras. Autores: Izabela Maria Rezende Taveira - Ana Cristina Limongi-França - Mário César Ferreira (Orgs), 2015
Contextos Clínicos, 2015
Resumo. O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a clínica da cooperação, estratégia de... more Resumo. O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a clínica da cooperação, estratégia de intervenção baseada no referencial teórico-prático da psicodinâmica do trabalho, que se propõe a mapear as relações entre saúde mental e trabalho. Trata-se de um artigo teórico-conceitual, embasado pela experiência dos autores na clínica da cooperação. Inicialmente, contextualiza-se o mundo do trabalho e a abordagem desse estudo. Em seguida, aborda-se o espaço de discussão e outras condições importantes para a realização dessa proposta de clínica. A clínica da cooperação é entendida como forma de potencializar os processos de mobilização dos trabalhadores, para que possibilitem experiências de autonomia e de transformação da organização do trabalho. Nessa perspectiva, busca-se apresentá-la como estratégia de intervenção micropolítica.
Abstract. This article aims at refl ecting about the cooperation clinic, intervention strategy based on the theoretical and practical reference from the psychodynamic of work, which aims at mapping the relationship between mental health and work. This is a theoretical-conceptual article, based by the authors' experience in cooperation clinic. In the beginning, it contextualizes the world of work and the approach of this study. Then the goal is to think over on the discussion space and other important conditions for the realization of this proposal clinic. Clinical cooperation is seen as a way to enhance the workers' mobilization processes that enable experiences of autonomy and transformation of the work organization. From this perspective, the article seeks to present it as micropolitic intervention strategy.
Congresso da Alfepsi - Formação em Psicologia para transformação psicossocial na América Latina. 1ed.Rio de Janeiro: Alfepsi, 2018
Este ensaio tem como objetivo promover uma reflexão crítica acerca da articulação entre trabalho,... more Este ensaio tem como objetivo promover uma reflexão crítica acerca da articulação entre trabalho, resistência e formação em psicologia. Para tal, serão apresentados resultados de uma pesquisa realizada com trabalhadores e trabalhadoras subcontratados da UFRJ e sua relação a formação de psicólogos e psicólogas. A metodologia da pesquisa consistiu na realização de encontros coletivos com os
participantes e entrevistas individuais. Como base para as análises empreendidas foram utilizadas contribuições de autores e autoras latino-americanos cujos referenciais teórico-metodológicos partem da filosofia, da psicologia social, da sociologia do trabalho e da psicodinâmica do trabalho. Os resultados apontam que, na dinâmica cotidiana da universidade, os sujeitos subcontratados estão imersos num contexto
marcado pela prevalência de múltiplas formas de dominação e exclusão, dotados de certa invisibilidade e atravessados por situações de injustiça e perda de direitos. Neste sentido, observa-se movimentos de resistência engendrados pelos próprios subcontratados que despertam o interesse de docentes e discentes da instituição, principalmente do curso de psicologia, para questões laborais e os efeitos subjetivos que lhe são subjacentes. Assim, a articulação entre trabalho e formação em psicologia emerge enquanto terreno fértil na medida em que estudantes passam a promover debates e catalisar discussões acerca dos modos de vida e trabalho no seu processo de formação. Conclui-se, portanto, que a articulação entre trabalho, resistência e formação em psicologia representa um potente território no qual podem ser engendrados desvios e rupturas nas lógicas instituídas do contexto laboral. Acredita-se que um processo de formação crítica conectado a tais questões seja capaz de formar psicólogos e psicólogas aptos para intervir e mobilizar-se em resistências diante das diversas formas de dominação e exclusão no trabalho. Tais reflexões ganham particular relevância diante do atual contexto trabalhista latino-americano marcado por perda de direitos e constantes ataques à dignidade humana.
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Artigos e capítulos by João Ferreira
perceber e intensificar os movimentos desejantes? Como nos encontramos com as diferenças? Este artigo tem
por objetivo analisar e refletir sobre o dispositivo grupal como ferramenta de produção de narrativas dissidentes
de gênero e de afirmação da vida. Trata-se de uma pesquisa-intervenção estruturada na epistemologia
esquizoanalítica e no método cartográfico, acompanhando os processos de destruição e formação de territórios a
partir dos encontros do Grupo Dissonâncias. Essa concepção de pesquisa fornece os aportes teóricos para
analisarmos o grupo como catalisador de processos de rachadura das formas rígidas de ser, pensar e agir e a
noção de não-binaridade de gênero como desobediência ao real social. Para além de autores e autoras da
esquizoanálise, levantamos alguns saberes decoloniais de Jota Mombaça (2021) e abigail Leal (2021). Tomando
o dispositivo grupal como ponto de partida buscamos intensificar as transversalidades e a criação de
multiplicidades a partir de experimentações, incitar movimentos de fragmentação das normas de gênero e de
expressão de modos de existência inconformes ao possibilitar o entrelaçamento de experiências. Os encontros
realizados no Grupo Dissonâncias apresentaram-se como produção de desvio e de novos territórios existenciais
com possibilidade de experimentações criadoras de multiplicidades e afirmadoras de vidas mais dignas.
de amplificar as mortes de trabalhadores nas atividades mais precarizadas e em situação de maior vulnerabilidade social. Sendo parte de uma pesquisa em andamento sobre contextos de produção das situações de
saúde e adoecimento relacionadas ao trabalho, neste ensaio discuto algumas relações entre neoliberalismo como patologia social, situações de adoecimento e formas de vida e morte no trabalho. Tais relações são
abordadas com base na cartografia das formas de vida, método crítico e clínico que, nesta análise, se vale de operadores conceituais relacionados aos tensionamentos entre modos de apropriação e de expropriação dos
direitos de existência e também da capacidade de sentir, pensar e agir de modo ético-político nos contextos e situações de trabalho neoliberais. Ao longo do ensaio, procuro situar: os operadores conceituais e
metodológicos da cartografia das formas de vida que orientaram este percurso; as noções de saúde e adoecimento como questões de interesse
fundamental para referenciar o valor vital do direito à existência digna, ao qual todo o ordenamento social e do trabalho devem se reportar; os aspectos críticos do contexto e a caracterização do neoliberalismo como
patologia social; a exacerbação necropolítica do neoliberalismo, evidenciada com a crise da pandemia. Em seguida, aponto o necroliberalismo proposto por Achille Mbembe como patologia social de primeira ordem.
Abstract
This essay discusses the act of literary creation as a paradigm of the processes of subjectivation that enable the production of life-forms. Based mainly on Deleuze and Agamben, the act of literary creation makes it possible to think about the logics of other forms of resistance production, aberrant movements and ruptures of the devices of capture and domination; and also the actions constituting ethical and politically referenced forms of life. In this sense, we propose a poetics of forms-of-life, understood as process, living power work, active micropolitics and life passage.
como processo de criação que implica o poder de sentir, pensar e inventar. A criação literária é analisada como referência crítica às instituições das formas
alienadas de viver. São propostos os conceitos de trabalho morto, subjetivação alienada, ética viva e poética da subjetivação. Com base nestas proposições, busca-se analisar a poética da subjetivação como ação que produz e é produzida pelo trabalho vivo, e também suas ressonâncias ético-políticas nos processos de construção das formas politicamente qualificadas de viver
Abstract. This article aims at refl ecting about the cooperation clinic, intervention strategy based on the theoretical and practical reference from the psychodynamic of work, which aims at mapping the relationship between mental health and work. This is a theoretical-conceptual article, based by the authors' experience in cooperation clinic. In the beginning, it contextualizes the world of work and the approach of this study. Then the goal is to think over on the discussion space and other important conditions for the realization of this proposal clinic. Clinical cooperation is seen as a way to enhance the workers' mobilization processes that enable experiences of autonomy and transformation of the work organization. From this perspective, the article seeks to present it as micropolitic intervention strategy.
participantes e entrevistas individuais. Como base para as análises empreendidas foram utilizadas contribuições de autores e autoras latino-americanos cujos referenciais teórico-metodológicos partem da filosofia, da psicologia social, da sociologia do trabalho e da psicodinâmica do trabalho. Os resultados apontam que, na dinâmica cotidiana da universidade, os sujeitos subcontratados estão imersos num contexto
marcado pela prevalência de múltiplas formas de dominação e exclusão, dotados de certa invisibilidade e atravessados por situações de injustiça e perda de direitos. Neste sentido, observa-se movimentos de resistência engendrados pelos próprios subcontratados que despertam o interesse de docentes e discentes da instituição, principalmente do curso de psicologia, para questões laborais e os efeitos subjetivos que lhe são subjacentes. Assim, a articulação entre trabalho e formação em psicologia emerge enquanto terreno fértil na medida em que estudantes passam a promover debates e catalisar discussões acerca dos modos de vida e trabalho no seu processo de formação. Conclui-se, portanto, que a articulação entre trabalho, resistência e formação em psicologia representa um potente território no qual podem ser engendrados desvios e rupturas nas lógicas instituídas do contexto laboral. Acredita-se que um processo de formação crítica conectado a tais questões seja capaz de formar psicólogos e psicólogas aptos para intervir e mobilizar-se em resistências diante das diversas formas de dominação e exclusão no trabalho. Tais reflexões ganham particular relevância diante do atual contexto trabalhista latino-americano marcado por perda de direitos e constantes ataques à dignidade humana.
perceber e intensificar os movimentos desejantes? Como nos encontramos com as diferenças? Este artigo tem
por objetivo analisar e refletir sobre o dispositivo grupal como ferramenta de produção de narrativas dissidentes
de gênero e de afirmação da vida. Trata-se de uma pesquisa-intervenção estruturada na epistemologia
esquizoanalítica e no método cartográfico, acompanhando os processos de destruição e formação de territórios a
partir dos encontros do Grupo Dissonâncias. Essa concepção de pesquisa fornece os aportes teóricos para
analisarmos o grupo como catalisador de processos de rachadura das formas rígidas de ser, pensar e agir e a
noção de não-binaridade de gênero como desobediência ao real social. Para além de autores e autoras da
esquizoanálise, levantamos alguns saberes decoloniais de Jota Mombaça (2021) e abigail Leal (2021). Tomando
o dispositivo grupal como ponto de partida buscamos intensificar as transversalidades e a criação de
multiplicidades a partir de experimentações, incitar movimentos de fragmentação das normas de gênero e de
expressão de modos de existência inconformes ao possibilitar o entrelaçamento de experiências. Os encontros
realizados no Grupo Dissonâncias apresentaram-se como produção de desvio e de novos territórios existenciais
com possibilidade de experimentações criadoras de multiplicidades e afirmadoras de vidas mais dignas.
de amplificar as mortes de trabalhadores nas atividades mais precarizadas e em situação de maior vulnerabilidade social. Sendo parte de uma pesquisa em andamento sobre contextos de produção das situações de
saúde e adoecimento relacionadas ao trabalho, neste ensaio discuto algumas relações entre neoliberalismo como patologia social, situações de adoecimento e formas de vida e morte no trabalho. Tais relações são
abordadas com base na cartografia das formas de vida, método crítico e clínico que, nesta análise, se vale de operadores conceituais relacionados aos tensionamentos entre modos de apropriação e de expropriação dos
direitos de existência e também da capacidade de sentir, pensar e agir de modo ético-político nos contextos e situações de trabalho neoliberais. Ao longo do ensaio, procuro situar: os operadores conceituais e
metodológicos da cartografia das formas de vida que orientaram este percurso; as noções de saúde e adoecimento como questões de interesse
fundamental para referenciar o valor vital do direito à existência digna, ao qual todo o ordenamento social e do trabalho devem se reportar; os aspectos críticos do contexto e a caracterização do neoliberalismo como
patologia social; a exacerbação necropolítica do neoliberalismo, evidenciada com a crise da pandemia. Em seguida, aponto o necroliberalismo proposto por Achille Mbembe como patologia social de primeira ordem.
Abstract
This essay discusses the act of literary creation as a paradigm of the processes of subjectivation that enable the production of life-forms. Based mainly on Deleuze and Agamben, the act of literary creation makes it possible to think about the logics of other forms of resistance production, aberrant movements and ruptures of the devices of capture and domination; and also the actions constituting ethical and politically referenced forms of life. In this sense, we propose a poetics of forms-of-life, understood as process, living power work, active micropolitics and life passage.
como processo de criação que implica o poder de sentir, pensar e inventar. A criação literária é analisada como referência crítica às instituições das formas
alienadas de viver. São propostos os conceitos de trabalho morto, subjetivação alienada, ética viva e poética da subjetivação. Com base nestas proposições, busca-se analisar a poética da subjetivação como ação que produz e é produzida pelo trabalho vivo, e também suas ressonâncias ético-políticas nos processos de construção das formas politicamente qualificadas de viver
Abstract. This article aims at refl ecting about the cooperation clinic, intervention strategy based on the theoretical and practical reference from the psychodynamic of work, which aims at mapping the relationship between mental health and work. This is a theoretical-conceptual article, based by the authors' experience in cooperation clinic. In the beginning, it contextualizes the world of work and the approach of this study. Then the goal is to think over on the discussion space and other important conditions for the realization of this proposal clinic. Clinical cooperation is seen as a way to enhance the workers' mobilization processes that enable experiences of autonomy and transformation of the work organization. From this perspective, the article seeks to present it as micropolitic intervention strategy.
participantes e entrevistas individuais. Como base para as análises empreendidas foram utilizadas contribuições de autores e autoras latino-americanos cujos referenciais teórico-metodológicos partem da filosofia, da psicologia social, da sociologia do trabalho e da psicodinâmica do trabalho. Os resultados apontam que, na dinâmica cotidiana da universidade, os sujeitos subcontratados estão imersos num contexto
marcado pela prevalência de múltiplas formas de dominação e exclusão, dotados de certa invisibilidade e atravessados por situações de injustiça e perda de direitos. Neste sentido, observa-se movimentos de resistência engendrados pelos próprios subcontratados que despertam o interesse de docentes e discentes da instituição, principalmente do curso de psicologia, para questões laborais e os efeitos subjetivos que lhe são subjacentes. Assim, a articulação entre trabalho e formação em psicologia emerge enquanto terreno fértil na medida em que estudantes passam a promover debates e catalisar discussões acerca dos modos de vida e trabalho no seu processo de formação. Conclui-se, portanto, que a articulação entre trabalho, resistência e formação em psicologia representa um potente território no qual podem ser engendrados desvios e rupturas nas lógicas instituídas do contexto laboral. Acredita-se que um processo de formação crítica conectado a tais questões seja capaz de formar psicólogos e psicólogas aptos para intervir e mobilizar-se em resistências diante das diversas formas de dominação e exclusão no trabalho. Tais reflexões ganham particular relevância diante do atual contexto trabalhista latino-americano marcado por perda de direitos e constantes ataques à dignidade humana.
Neoliberalismo, Trabalho e Precariedade Subjetiva apresenta ensaios e relatos de pesquisa e intervenção. As reflexões, as descrições e as análises que esta coletânea apresenta se inserem num campo de pesquisa-inter- venção (ou de intervenção-pesquisante) que, no Brasil, tem tido um crescimento significativo nas últimas décadas, graças à iniciativa de inú- meros grupos de pesquisa nas diferentes regiões do país, como se pode constatar por meio de uma rápida busca bibliográfica sobre a literatura sobre “psicologia” e “trabalho” produzida em nosso país. Tais iniciativas têm colocado o trabalho como centro, no sentido de ele ser examinado em sua substância, bem como refletir sobre os fazeres, o imaginário e a socia- bilidade em diversos níveis e por meio de diferentes objetos e aportes teóricos. Desta forma, a psicologia tem contribuído para olhar as pessoas em sua relação com o trabalho a partir de visadas singulares. Neste sen- tido, amplia-se e complexifica-se o campo científico – protagonizado pela “psicologia” e “trabalho” - no sentido atribuído por Pierre Bourdieu (1983), para quem as diferenças e os antagonismos epistemológicos são, a um só tempo, diferenças e antagonismos políticos.(...). Prof.ª Dr.ª Ley Sato - Universidade de São Paulo (USP)
São poemas-convites para derivas que procuram articular as forças da criação, sempre inacabada, de espaços que tornam o silêncio impossível - como propõe Blanchot - são poemas-apostas nas expressões vivas e intensas que fazem eco ao que não pode parar de falar.
Comentário de Caio Fernando Abreu sobre três contos incluídos no livro O doce vermelho das beterrabas: "João Batista tem a paixão da clareza: isso é o que transparece nas três histórias escolhidas para fazer parte desta antologia. Um autor que procura a maior consciência possível não só sobre cada frase, mas cada palavra, cada ponto, cada vírgula, cada parágrafo. Nem por isso seus contos se ressentem de frieza ou cerebralismo; ao contrário, todos eles revelam uma profunda simpatia e rara sensibilidade para tratar das coisas humanas. Da velha solitária, em Elefantes, à adolescente (depois mulher) confusa de Flor e ao menino cruel de Beterrabas, o que marca o texto de João Batista é o espanto em relação ao fato de estarmos vivos – todos nós, leitores, autores ou/e personagens – e, só por isso, jogados numa aventura quase sempre incompreensível. A qualidade de seus textos talvez venha dessa carga de vida – latejante, pungente – emboscada atrás das palavras medidas que revelam uma técnica segura e uma linguagem que, com muita freqüência, aproxima-se daquela perfeição conquistada por Clarice Lispector". Caio Fernando Abreu (texto de apresentação dos participantes da antologia de contos Paulistanos Desvairados, organizada por ele, a partir da oficina de contos A anatomia do conto).
A pesquisa examina a produção literária de escritores como Jorge Luis Borges, Clarice Lispector, Júlio Cortázar e Italo Calvino, entre outros. A escrita literária é analisada como ato que mobiliza forças vitais, confronta o inesperado e facilita encontros com o real.
Destaca-se a importância do trabalho vivo, conforme conceituado por Marx, e seu papel na constituição subjetiva, em contraste com o trabalho alienado, que desumaniza e esvazia de sentido. A criação literária é discutida como possibilidade crítica para a discussão sobre o trabalho e a subjetividade, oferecendo compreensões processuais da subjetivação através da experiência literária.
Este estudo contribui para os campos dos estudos literários e psicológicos, possibilitando articulações entre arte, trabalho e subjetivação.
A partir de encontros coletivos, entrevistas, conversas e escutas sensíveis das histórias de trabalho e de vida de mulheres que realizam atividades de limpeza em uma universidade pública, mulheres com rostos e nomes – Dora, Maria, Neide, Cleuza, Tide e Eliane – Sergio realiza – com muito cuidado, profundo respeito, consistência teórica e prática – uma composição do campo problemático desse universo de trabalho. Composição norteada por análises das “articulações entre terceirização e processos de subjetivação e, particularmente, os desafios e possibilidades de enfrentamento coletivo e resistência política em situações de trabalho precarizado e ameaças à garantia de direitos” (p. 204).
Insurgências que nascem da criação de modos não convencionais de sentir, pensar e agir. A experiência poética é o operador essencial desses sopros de vida. A escrita de Vivian é um inventário poético desses movimentos aberrantes.
Cartografia de poemas-desvios: trama poético-clínica da emergência dos sentidos. Mapa singular das potências e limites da compreensão: "queria entender o tempo, mas só se acercava de seus simulacros, de suas impossibilidades, talvez escrevendo sobre ele tudo fizesse mais sentido".
Poemas-caleidoscópios: fluxo de imagens dos gestos vitais e antivitais do tempo distópico da banalização da violência e injustiça social.
Poemas-manifestos: traçado inquietante das linhas de dominação e de rupturas que operam outras formas de existir. Escrita macro e micropolítica da urgência das lutas pela vida digna: "no melhor dos mundos possíveis, não haveria essa vergonha de falar o nome do presidente do meu país, não haveria asco, nojo. haveria dignidade no coração seco da república".
Poemas-errâncias: alquimia de corpos dilacerados, afetos paralisantes: "fazer das tripas o corpo inteiro / fazer do medo uma limonada / fazer do brejo uma lama mágica". Moldar com a escrita uma poética como arte de fazer. Tornar presente. Substância enigmática do tempo. Matéria-prima que desperta o espanto, a angústia, o horror. Mas sobretudo a força do encanto de sentir-se viva. E indignada com as expropriações sem fim.
Se o contrário da vida não é a morte, mas o desencanto (dizem Simas e Rufino), a poética de Vivian interroga instituídos para afirmar modos singulares e paradoxais de existir.
Poemas-pulsações: "com o sintoma pulsando desde dentro, devastação a céu aberto, erro de cálculo numa equação sem começo, mesmo assim pergunto, minha voz um murmúrio acovardado: mas, vida, e se aí, quem sabe, eu for feliz?"
Interrogação suprema. Felicidade clandestina dos instantes fugidios. Dos contatos mais intensos com a vida. Movimento de quem - mesmo com o horror dos abismos e ruínas - insiste em querer mais. Em criar espaços-tempos de expressão para as histórias secretas dos silêncios.
Para a vida que pulsa, pulsa e pulsa mais. Instaurar passagens, traçar veredas, ziguezagues na maquinaria cotidiana do desencanto. Urgência vital da poética das pulsações infinitas - uma poética da atenção aos sopros de vida.
Se a atenção “é a prece natural da alma”, como diz Walter Benjamin, os poe-mas-lumiares que você tem agora nas mãos podem ser lidos também como pequenas orações. Como reverências à contemplação do sublime que nos habita, como nesta pas-sagem – “Ah! Meu corpo, / Humilde presença da sabedoria divina / Faz teu brilho cla-rear (....) / Céu e terra pulsam em mim”.
Posfácio do livro de poemas Lumiar de Nayla Reis. Brasília: Avá Editora Artesanal, 2020.
Mas a vida resiste. Como flores incômodas nas frestas dos muros que segregam e excluem, no avesso clandestino dos dispositivos de dominação. Vida que cria espaços de autonomia temporária nas normalidades adoecidas da contemporaneidade, que produz restos problemáticos para as lógicas totalitárias.
This study examines the literary creation as work in seeking to build relations with the process of subject constitution, based on the theoretical framework of the psychodynamics of work, in dialogue with concepts of psychoanalysis. It considers that literary creation as experience of real, highlights the constitutive power of living work in the process of subjectivity. It is a qualitative and exploratory study based on documentary research methodology. Thirty three interviews and writers´ statements published in Brazil in the last 25 years were analyzed. The technique for date analysis was “Analysis of the Nucleus of Senses (ANS)”. This study characterizes the work context of literary writers; his experiences of pleasure and suffering, the subjective process of mobilization, wisdom and creative subjectivity, and discusses possibilities of extending the dialogue of psychodynamic work with related psychoanalytic notions. Live work is understood as a kind of work that allows to feel, think and invent, leading to an act of creation that reflects the constitutional power of the subject as a capacity to transform the world. The literary work considered as live work and as experience of real, enables the deconstruction of self and defies the established knowledge and its technical apparatus. Literary work manifests itself as a privileged field with a potential power to criticize the institutional, the social and its conceptions that result in alienated labor. Literary creation constitutes itself by a resonance with desire, having an intrinsic difficulty to deal with symbolization. It escapes determinations created by static concepts which stabilize and is always defied to reinvent itself. It counterpoints instrumental conception of time in alienated work. The work of literary creation is an action that constitutes and simultaneously makes obvious the subject constitution process, with its permanent seek for sense and meaning to human existence and to world adversity, through speech. The proposals made in this study are theoretical contributions to the psychodynamic of work. Its frame is a critique of the established power of the dead work in opposition to the constituent power of living labor. In this sense, we establish distinctions between what we call primary and secondary pre-written; pre-written suffering and suffering of the real, instrumental know-how and to know how to do with the real. It is also proposed to consider symbolic resonance as subjective mobilization power and to incorporate the psychoanalytic concepts of symbolic and imaginary. We also discuss an ethical aspect that is implicit in the experience of real. Sublimation in conceived as an experience of rupture with the world of representations and literary creation as word-break action of the subjective configurations stereotyped, litera-rupture, requirement for subjectivaction as an act of speech, as written subjectivation process.
tradução para o português Emanuel Angelo da Rocha Fragoso, Francisca Evilene Barbosa de Castro, Hélio Rebello Cardoso Júnior e Jefferson Alves de Aquino. – 3. ed. – Fortaleza: EdUECE, 2019
Os cursos de Deleuze sobre Spinoza revisitam e reinterpretam o pensamento de Spinoza, em conceitos como imanência, potência, afetos e conatus. Oferecem uma nova forma de pensar a liberdade, a ética e a relação entre pensamento e vida, propondo uma filosofia da imanência. Deleuze utiliza a filosofia spinozista para analisar a relação entre arte e vida, mostrando como a arte pode transcender limitações impostas por relações de dominação e destacando a criação de novas formas de percepção e expressão artística. Politicamente, os cursos reinterpretam Spinoza para abordar questões de poder, liberdade e ética, enfatizando o conceito de conatus e a dinâmica do poder nas relações sociais, propondo uma ética política baseada na cooperação e na potência coletiva. Na prática clínica psicológica, podemos acompanhar Deleuze ao utilizar a filosofia spinozista para entender a importância dos afetos na saúde mental, distinguindo entre afetos ativos e passivos e sugerindo que a compreensão e transformação dos afetos podem aumentar a potência e a autonomia das pessoas na terapia. Os cursos de Deleuze sobre Spinoza constroem operadores conceituais para repensar liberdade, ética, arte, política e prática clínica, mostrando a relevância contínua dessas ideias.
“É preciso comprometer a vida com a escrita” (Conceição Evaristo); "Eu trabalho com o inesperado" (Clarice Lispector); "O trabalho me impõe um método" (Júlio Cortázar). A partir de operadores poéticos dessas/es autoras/es (e de Caio Fernando Abreu), o curso discute ressonâncias recíprocas entre a literatura e a arte de pesquisar; entendidas como poéticas, como arte de fazer e tornar presente - momento da potência e potência da criação que caracterizam o trabalho vivo da criação. Poéticas que demandam dispositivos de investigação das forças e formas que se contrapõem aos modos plurais, coletivos, ética e politicamente referenciados de atenção às formas de vida, construção da experiência e dos sentidos do real (Bergson). Poéticas entendidas como arte da afirmação dos direitos de existência que podem tornar inteligíveis contextos problemáticos mais amplos, principalmente históricos, sociais, econômicos e das situações de expropriação de direitos. Processos de criação que expressam as forças de problematização que animam os circuitos experienciais da pesquisa, das práticas artísticas, clínicas e outras situações de trabalho; e ganham visibilidade nas cartografias dos gestos vitais (Massumi). Cartografias que demandam a invenção de modos próprios de pesquisa-criação para analisar a produção de sentidos associados às correlações sistêmicas, estruturais, relacionais e dinâmicas entre as esferas macro e microssociais. Entre o plano dos fatos sintomáticos (fenômenos, sinais, signos e sintomas que expressam forças, valores e dispositivos que os produzem); e o plano das forças genealógicas (forças não visíveis de produção dos aspectos sintomáticos) (Deleuze). As poéticas da literatura e da arte de pesquisar só se legitimam quando ampliam os poderes de ver e de falar que possibilitam resistir, enfrentar e reconfigurar regimes de visibilidade e de enunciação que ameaçam e causam danos à vida digna. São poéticas que operam micropolíticas que buscam apropriações dos modos de sentir, pensar e agir que tornem visível o invisível, pensável o impensável, dizível o indizível (o que pode e deve ser dito; o que não deve ser dito; o que deve ser calado); o desejável e o indesejável (Deleuze). A arte de pesquisar como poética política de criação de operadores ontológicos que - em primeira e última instância - potencializam o poder de dignificar as múltiplas formas de viver.
A psicologia e clínica das formas de vida é uma abordagem teórico-prática transdisciplinar que estuda as relações entre vida e trabalho, com base na análise de contextos históricos, sociais e institucionais da contemporaneidade. Os processos de subjetivação, saúde e adoecimento são estudados com base na discussão e intervenções clínicas das situações produtoras de sofrimento e patogênicas, buscando potencializar o cuidado, o trabalho de si, a saúde e a transformação dessas situações. A psicologia e clínica das formas de vida busca afirmar o direito aos modos de existência singulares-plurais-coletivos, no sentido de uma arte e ética da existência como potência e prática constituinte de novas formas de vida, neste curso voltadas para as situações vivenciadas no mundo do trabalho.
Jo Schlösser Camões Orlando
produtiva e mulheres para a esfera reprodutiva. Esta divisão, que é marcada por
categorizações de gênero, perpetua uma hierarquia que favorece os homens e estabelece
identidades e papéis sociais. A pandemia de COVID-19 e as medidas de isolamento social
intensificaram as questões já enfrentadas pelas mulheres, elas experimentaram um aumento
na carga de trabalho, uma vez que as especificidades do trabalho remoto se entrelaçavam
com as obrigações domésticas, amplificando as demandas e encargos tradicionalmente
atribuídos como responsabilidades femininas. Nesse contexto, as professoras sentiram esse
acréscimo notável de atividades, pois passaram a ministrar aulas de seus lares, exigindo que
elas buscassem um equilíbrio entre os cuidados e as obrigações inerentes à sua carreira
profissional. Dessa forma, o objetivo desta pesquisa é realizar uma análise do trabalho de
professoras do ensino fundamental de três escolas públicas em Timbaúba - PE, considerando
os efeitos da pandemia, com base na divisão sexual do trabalho e no referencial da
psicodinâmica do trabalho. A psicodinâmica do trabalho explorará como as professoras
enfrentaram este período diante das condições laborais adversas. A metodologia emprega a
Análise de Núcleos de Sentido para avaliar as seis entrevistas realizadas, organizando os
temas em núcleos de sentido que possibilitaram a interpretação dos dados. A pesquisa
destaca que a rotina exaustiva das professoras se agravou durante a pandemia, com uma
jornada de trabalho incessante, que se entrelaça com as atividades de cuidado. Além disso,
evidencia como a crise da Covid-19 exacerbou e desvelou novos desafios para a educação
no Brasil, evidenciando que o acesso às aulas remotas foi um privilégio. A pandemia
revelou-se como um período propício ao adoecimento dessa categoria profissional. O estudo
sugere uma análise das estruturas de gênero profundamente enraizadas que perpetuam
desigualdades e fomentam o sofrimento para as mulheres. Além disso, sugere a
implementação de políticas públicas educacionais e a vigilância contínua da saúde das
trabalhadoras da educação como medidas essenciais para enfrentar esses desafios.
na existência humana, com foco na ideação suicida e no processo criativo. Esta investigação
foi motivada por uma realidade perturbadora, marcada pelo aumento significativo nas taxas
de suicídio e um cenário nacional e global de ultracompetitividade e ataques a direitos
fundamentais. Somando-se às vivências pessoais, às experiências clínicas e às experiências
acadêmicas do autor, emergiu a necessidade de se compreender o suicídio como parte
integrante da experiência humana e uma expressão da sociedade. A pesquisa se construiu a
partir da cartografia, conforme a proposição de Deleuze, Kastrup e Passos, buscando entender
o campo de pesquisa como um espaço dinâmico. Em adição, o método do correio, proposto
por Battistelli e Oliveira, visando novas fronteiras da pesquisa e da escrita. Autores e autoras
como Deleuze, Camus, Krenak, Rolnik e Simas, entre outros, contribuíram na fundamentação
do trabalho. A pesquisa buscou, assim, oferecer novas perspectivas para a compreensão e
prevenção do fenômeno. Desta forma, espera-se que o trabalho possa contribuir de maneira
relevante para um campo de estudos urgentemente necessário e auxiliar pessoas em
momentos de extrema vulnerabilidade.
por outros profissionais. Essas trabalhadoras e trabalhadores atribuem valor ao seu fazer cotidiano quando afirmam que suas funções são indispensáveis para a continuidade das atividades de ensino, aprendizagem e produção de conhecimento da instituição. Observa-se, portanto, que as formas de resistência aqui analisadas provocam abalos e incitam reconfigurações micropolíticas na solidez das lógicas instituídas dos contextos laborais contemporâneos marcados por processos de dominação e exclusão e são fatores fundamentais para a continuidade da luta pela garantia de direitos e formas de trabalho pautadas na dignidade da vida.
Palavras-chave: Serviços terceirizados; processos de subjetivação; resistência.
A apresentação foi realizada durante o evento O visível e o invisível contemporâneo - Centro Municipal de Arte Helio Oiticica - RJ, em dezembro de 2018.
A gravidade e a urgência desse estado acentuado de precarização da vida impõem também a obrigação ético-política enfatizada por Judith Butler (2016): em que condições se torna possível ou impossível constituir a vida digna, plural, coletiva? Nesta linha, discutir os sintomas sociais dos dispositivos neoliberais – como a precarização subjetiva e da vida no trabalho – é uma obrigação ética prioritária para as resistências ao tempo brutalista que nos foi dado viver. No mundo do trabalho no contexto neoliberal, tal precarização se expressa de modo cada vez mais acentuado e globalizado nas situações de sofrimento, violência, adoecimento e morte que atingem grandes contingentes de trabalhadoras/es – com e sem trabalho. A precarização subjetiva e da vida é uma das mais graves consequências da máquina do mundo neoliberal. Torna as vidas desprotegidas do amparo muito frágil das leis, da justiça - e até mesmo do luto (Butler, 2016; Agamben, 2004). Vidas que não são reconhecidas como vidas.
Neste ensaio realizamos uma crítica ao neoliberalismo, do ponto de vista das capturas e resistências à precarização subjetiva e da vida no trabalho. Analisamos algumas linhas deste vasto campo problemático com base na psicologia das formas de vida, abordagem que se vale de operadores conceituais e empíricos para discutir as capturas, ameaças e à vida em tensionamento constante com as potências, resistências, movimentos e criações mobilizadas contra tais adversidades, aqui abordadas no âmbito dos modos de existência relacionados ao trabalho.